segunda-feira, agosto 30, 2010

Profissionalizar é preciso... será?

O que dizem gestores de diversas iniciativas sociais sobre como se deu a profissionalização de suas organizações - e sobre a real necessidade deste fenômeno para sua sobrevivência no Terceiro Setor


“Estou satisfeitíssima, é o melhor dos mundos. Antes trabalhava na área de aconselhamento para clientes e planejamento estratégico em uma empresa de grande porte. Agora, trabalho com desenvolvimento institucional e marketing relacionado a causas no IDIS [Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social]”, relata Ana Biglione, de São Paulo. Assim como ela, muitas pessoas depositam no chamado “terceiro setor” a esperança de unir seus ideais de vida com a atividade remunerada.

Antes de trabalhar no IDIS, Ana percorreu o que chama de “período de transição”. Esse período durou cerca de oito meses durante o qual Ana trabalhou como voluntária em algumas organizações e participou de diversos cursos voltados à gestão de iniciativas sociais. “Para mim, foi super-importante passar por este período de aprendizagem”, pois, para ela, “as linguagens, os contextos, a mentalidade dos dois setores são muito diferentes”, afirma.

A migração se justifica, também, pelos números. Em 2002, o terceiro setor absorvia cerca de 1,5 milhão de trabalhadores, segundo pesquisa publicada pela associação entre IBGE, Abong, Ipea e Gife. Isso significa que 500 mil novos empregos haviam sido criados no setor nos sete anos anteriores à pesquisa, o que o torna uma atrativa fonte de empregos. Comparativamente, no mesmo ano, o setor público federal empregava 1/3 desse número.

Justifica-se, também, por outros fatores, como os apontados por Arnaldo Motta em seu artigo publicado nesta edição. A “necessidade de profissionalizar” o setor é um deles. Mas o que implica profissionalizar uma iniciativa social? Investir na capacitação de gestores e coordenadores? Contratar experts da iniciativa privada? Adaptar para o terceiro setor modelos bem-sucedidos do setor privado? E como essas mudanças afetam a própria organização social que pretende se profissionalizar?

No caso da Liga das Senhoras Católicas, instituição filantrópica nacional, fundada em 1923, a profissionalização foi essencial para garantir maior abrangência de atuação e para sua própria sobrevivência. Carola Matarazzo, vice-presidente da Liga, diz que “com o crescimento do terceiro setor muitas novas organizações surgiram e, com elas, chegou a ‘concorrência’. Antigamente, os empresários tiravam dinheiro do próprio bolso e ajudavam as poucas organizações existentes. Hoje, estes mesmos empresários têm, em suas empresas, institutos responsáveis por analisar e gerenciar o dinheiro doado. Diante desta mudança no terceiro setor, a Liga precisou profissionalizar sua gestão a fim de concorrer com organizações que já nasciam profissionais. Para isso, foi preciso rever a missão, cercar-se de profissionais qualificados e solicitar ajuda do setor privado.” Segundo Carola, a profissionalização não parou por aí; segundo ela “além do conceito de profissionalização da gestão administrativa da Liga, mostrou-se também necessária uma maior profissionalização dos serviços prestados, visando a uma maior eficiência, a custos ‘razoáveis’”.

Cristina Abranches, superintendente da Apae-Contagem (Minas Gerais), reforça a idéia da profissionalização como meio de sobrevivência da organização e, assim como na Liga, relata que a organização passou por um processo de transformação institucional quando decidiu se “profissionalizar”, encontrando, neste caminho, pontos delicados: “As dificuldades encontradas inicialmente foram conseguir pensar na profissionalização como algo para o futuro da instituição e não para a rotina. A questão financeira foi uma barreira, mas não impediu [o processo]; mudar a maneira de pensar a gestão da diretoria da época também foi uma dificuldade, embora superada”, coloca.

Em outras organizações, a distinção nunca existiu ou foi facilmente superada. É o caso do Instituto Museu da Pessoa que surgiu como empresa e foi transformado numa OSCIP [organização da sociedade civil de interesse público]. “Para nós foi muito fácil porque desde o início sabíamos o que é e o que não é bom dos dois mundos”, afirma José Santos, diretor do Instituto. Para ele, a idéia de profissionalização está muito ligada à dedicação exclusiva do profissional à iniciativa: “Desde que criamos o Museu, imediatamente todos abandonaram o que faziam para trabalhar só nele – ele nunca foi segunda opção”, esclarece.

Para Ana Drummond e Tatiana Prado, respectivamente diretora executiva e coordenadora de marketing da World Childhood Foundation – Brasil (WCF-Brasil), o conceito de “profissionalização” é definido também com base no desenvolvimento da instituição, braço da WCF sueca: “para nós, é a viabilização de ciclos completos de planejamento, execução, monitoramento, avaliação e melhoria constante sobre as diretrizes e práticas organizacionais, visando a otimização de recursos e maximização do impacto social. É um pré-requisito para a sustentação das atividades no longo prazo, requerendo investimento, perseverança e visão de longo prazo, pois no Terceiro Setor não existem modelos prontos, o dinamismo é constante e os resultados não são imediatos”, esclarecem.

No sentido de saber se a profissionalização é, de fato, obrigatória para a sobrevivência da iniciativa social ou se é em qualquer momento em que ela pode se dar, Ana Drummond aconselha: “A profissionalização demanda a participação de novos atores e o estabelecimento de novas relações, porém, valores e crenças da organização devem ser mantidos. Algumas questões-chave são: 1) Como profissionalizar sem perder a identidade? 2) Quais são as competências necessárias para a profissionalização? 3) Como minimizar riscos? 4) O que seriam resultados razoáveis no curto, médio e longo prazo? Recomendaria à instituição [que deseja se profissionalizar] que iniciasse o processo com a realização de um diagnóstico das reais necessidades de profissionalização. Tenho receio de que as organizações sigam “tendências” sem saber exatamente o porquê. Sugeriria também que pensassem em um processo por etapas, estabelecendo prioridades e com marcos a serem celebrados no decorrer do percurso. O caminho para a profissionalização não é curto e as pequenas vitórias merecem ser comemoradas ao longo do trajeto. Por último, diria que o histórico de evolução da instituição deve ser registrado e valorizado. Para esse processo, uma ajuda neutra, especializada e externa – um olhar crítico e “de fora” sobre as práticas organizacionais – é importante", acredita.

Via: Instituto Fonte
por Rita Monte
gestora de comunicação do Instituto Fonte

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